Luis Campos e Cunha, o primeiro ministro das Finanças de José Sócrates, que saiu depois de quatro meses de governação, diz que Portugal terá pelo menos cinco anos de crescimento «anémico» e que uma taxa de juro de 4,2% no pacote de ajuda da UE/FMI seria «muito positivo».
Em apenas um ano, a crise da dívida soberana obrigou ao resgate de três países na Zona Euro (Grécia, Irlanda e Portugal). O que se segue?
É difícil saber. A haver nova ajuda financeira na Zona Euro será a de Espanha, mas espero que não aconteça. Porém, o pedido de auxílio de Portugal foi o fim da última trincheira antes de Espanha. Os espanhóis tinham desaparecido dos jornais internacionais como problema e voltaram a surgir. Madrid tomou medidas de austeridade atempadamente, ao contrário de Portugal. E, se não necessitar de apoio internacional, foi porque fez o trabalho de casa . Mesmo assim, o primeiro-ministro Zapatero já anunciou que não se vai recandidatar.
O que tem falhado na política económica europeia?
A culpa dos problemas reside, sobretudo, nos próprios países. Os irlandeses têm alguma desculpa, porque as finanças públicas estavam em ordem e foram contaminadas por um sistema financeiro mal supervisionado. Em Portugal, a origem da crise e do resgate está na política orçamental completamente desastrosa, sobretudo a partir de 2008.
Quais foram os principais erros?
Portugal teve azar em ter um Governo muito eleitoralista e com eleições no final de 2009. O Governo começou a prepará-las logo em 2008, com a redução do IVA no primeiro trimestre. Devo ter sido quase a única voz que se levantou contra a medida, alertando que era demasiado prematura e que o sistema financeiro poderia necessitar de algum apoio do Estado, como estava já a ser previsto em diversos países em consequência da crise do subprime nos EUA. Após a falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008, instalou-se uma onda de pseudo-keynianismo na política económica mundial que caiu como sopa no mel a um Governo que está à beira de eleições e que passou a gastar sem restrições. A primeira má surpresa surge em Janeiro de 2010, quando o défice de 2009 foi revisto em alta até 9,2%.
Aí começaram as desconfianças dos mercados?
Sim, os mercados, ou melhor, os nossos credores começaram logo aí a desconfiar de Portugal. A seguir às eleições, com a expectativa de que iria durar poucos meses, o Executivo cedeu a uma série de interesses - médicos, enfermeiros ou professores - que receberam amplas benesses entre o final de 2009 e início de 2010. Depois, o primeiro Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC), de Março de 2010, era muito fraco e não atacou o problema a sério. Em Abril, a S&P desce em dois níveis o rating da dívida e, a partir daí, foi uma bola de neve . O Governo reagiu sempre tarde aos acontecimentos e, quando se reage tarde, não se é credível e isso é terrível para a reputação de um país. Estava nas cartas já nos finais de 2010 que Portugal teria de pedir ajuda internacional.
Que expectativas tem para o plano de ajuda da UE/FMI?
Tem de ser suficientemente compreensivo, alargado e forte para que os mercados acreditem, mas não pode ser tão violento ao ponto de as pessoas não acreditarem que seja praticável. Se for feito um pacote de reformas coerente e sustentável, é obrigatório do lado da União Europeia aplicar taxas de juros e prazos de pagamento mais vantajosos do que os do mercado, porque o risco de Portugal será também menor. Se conseguíssemos uma taxa próxima da Grécia (4,2%) seria muito positivo.
A banca foi uma vítima ?
Foi totalmente vítima da política orçamental irresponsável do Governo. No fim de 2009, os bancos mostraram que tinham feito uma avaliação do risco muito cuidada face aos alemães, norte-americanos ou ingleses. Mas, em Abril de 2010, o rating de Portugal baixa em dois níveis, obrigando a uma descida do da banca. O sector vê os mercados de financiamento fecharem-se e fica a braços com problemas de funding e de concessão de crédito.
A restrição de crédito ameaça o crescimento das exportações?
Há o risco de o sistema financeiro não conseguir conceder o crédito necessário às empresas exportadoras e levar a que as vendas ao exterior não cresçam como o esperado. A Europa está a viver uma política monetária muito expansionista, ao contrário de Portugal, que é muito contraccionista, porque a banca não consegue fazer chegar o crédito em quantidade e a baixo custo aos consumidores e empresas.
Os portugueses já tomaram consciência do que aí vem?
Sabem que a situação é muito difícil, com taxas de desemprego recorde, subidas de impostos brutais e redução de apoios sociais. O que aí vem, nem eu sei - e sou professor de Economia! Para já, temos garantidos pelo menos cinco anos de crescimento muito anémico; se as coisas não correrem bem, serão dez.
É imperativo um Governo ou coligação maioritária para aplicar as medidas do FMI?
Não sou a favor de um centrão no poder, mas, em momentos dramáticos como este, pode ser preciso um bloco alargado e amplamente consensual no Parlamento que consiga conduzir o país durante três ou quatro anos.
E é possível um governo de Bloco Central com os actuais responsáveis políticos?
Não será possível com José Sócrates. Sócrates é o problema e com ele não haverá qualquer coligação possível. Se o PS perder as eleições por larga margem, é natural que mude de secretário-geral. Se perder por margem curta ou ganhar as eleições, Sócrates continuará.
Como avalia o trabalho de Teixeira dos Santos?
Teixeira dos Santos foi um mero executor da política orçamental de Sócrates. Qualquer pessoa que me sucedesse tinha de aceitar que Sócrates era o ministro das Finanças. É a Sócrates que devem ser atribuídas as responsabilidades pela situação do país.
Estamos em risco de reestruturar a dívida, como a Grécia?
A Grécia é um caso muito particular, porque tem um nível de endividamento de cerca de 150% do PIB, um valor dificilmente sustentável. A necessidade de reestruturação é capaz de ser inevitável. O nosso caso dependerá de dois efeitos: o primeiro é a tentação de Portugal querer avançar para uma reestruturação se a Grécia a fizer e se correr bem. É sempre uma tentação grande para os políticos portugueses não pagar, embora pagar o que se deve honre os países e as pessoas; o segundo efeito depende da sustentabilidade do pacote e das medidas de ajuda. Se este assegurar taxas de juro comportáveis para consolidar as finanças públicas, Portugal não deve reestruturar a dívida. Isso seria uma vergonha para todos nós.
fonte:http://sol.sapo.pt/inicio/Economia/Interior.aspx?content_id=17490