Medidas como o corte de 50% nos salários das administrações ou o pagamento de 8% pelo financiamento via ‘Cocos’ vão mesmo avançar.
Mais de quatro meses depois de ser saído a nova legislação para a recapitalização da banca pelo Estado, saiu finalmente ontem em Diário da República a portaria que define os detalhes do acesso ao dinheiro público. As condições finais preparadas pelo Governo eram já conhecidas informalmente pelo sector. No entanto, a publicação da portaria n.º 150-A/2012 era indispensável e vai permitir aos bancos avançar formalmente com os seus planos de capitalização. Medidas como o corte de 50% nos salários dos banqueiros ou o pagamento de uma taxa média anual de 8% pelo financiamento estatal via ‘Cocos' vão mesmo avançar, apesar do descontentamento do sector.
1 - Para que vai servir o recurso dos bancos ao dinheiro do Estado?
Quando necessária, a ajuda do Estado na recapitalização dos bancos destina-se a permitir que os bancos cumpram as metas da ‘troika', no âmbito da ajuda externa concedida a Portugal. Até final do ano os oito maiores bancos terão de atingir um rácio de fundos próprios de base (‘core tier 1') de 10%. E serve também para que algumas das instituições consigam, até Junho, atingir um ‘core tier 1' de 9% com uma almofada de capital para risco soberano, em função da exposição que cada um tem a dívida pública europeia.
2 - Quem pode recorrer ao pacote de capitalização?
As instituições de crédito que tenham sede em Portugal, incluindo, com as devidas adaptações, as instituições de crédito não constituídas sob a forma de sociedade anónima.
3 - De que forma pode o estado ajudar à recapitalização dos bancos?
O apoio estatal à recapitalização dos bancos pode ser feita por duas vias principais: entrada directa no capital do banco ou subscrição de outros instrumentos financeiros. No segundo caso, e para que conte para ‘core tier 1' o banco pode emitir títulos de capital contingente (Cocos), a subscrever pelo Estado.
4 - Que bancos irão recorrer ao pacote?
Se nenhuma surpresa surgir, são três os bancos que vão utilizar o pacote estatal dos 12 mil milhões de euros: BCP, BPI e Banif. A CGD também necessita de apoio mas, como a ‘troika' não permite o acesso a este programa, o seu accionista, o Estado, terá de injectar os fundos necessários sem recorrer aos 12 mil milhões. Nos quatro casos, seja via pacote de recapitalização ou não, o mais provável é que a injecção do Estado seja um misto das duas vias: entrada directa no capital e subscrição de Cocos.
5 - Que preço vão pagar os bancos pelo recurso ao dinheiro do estado se este for feito via cocos?
O reforço de fundos próprios via subscrição de Cocos implicará o pagamento ao Estado de uma remuneração "num intervalo entre os 7% e os 9,3%", o correspondente a um valor médio de cerca de 8%. A definição final do valor é feita por despacho das Finanças e terá em conta factores como a dimensão do apoio estatal ou as características dos próprios instrumentos. Esta taxa subirá 25 pontos base por ano, nos dois primeiros anos após o investimento público e 50 pontos base por ano, caso este apoio estatal se prolongue mais no tempo.
6 - E quanto custará aos bancos a entrada directa do estado no capital?
Se a subscrição ou aquisição de acções do banco pelo Estado for a via utilizada, este terá direito a um dividendo prioritário, correspondente, claro está, à participação accionista estatal detida. Significa isto que, desde que os resultados do banco gerem montantes a distribuir, o Estado terá sempre direito a dividendo, mesmo que o banco tenha decidido não remunerar os accionistas. Caso tenha sido essa a decisão do banco ou se a gestão entender remunerar menos de 30% dos montantes distribuíveis, "a remuneração da participação do Estado não pode ser inferior, em qualquer caso, àquela que lhe seria atribuída caso fosse deliberada a distribuição de 30% do total dos montantes distribuíveis gerados no exercício, na proporção da sua participação". Se a distribuição de dividendos ao Estado comprometer o cumprimento dos requisitos mínimos de capital, e só nesse caso, "o valor do dividendo é reduzido de modo a garantir o seu cumprimento".
7 - Como será calculado o preço de cada acção para efeitos da entrada directa do Estado no capital?
Se se tratarem de acções sem voto, a entrada do Estado no capital será feita com um desconto mínimo de 35% sobre o preço de mercado das acções. Sendo acções com voto, o desconto mínimo é de 25%. O desconto final, que depende "do risco assumido pelo Estado", é definido depois em despacho pelas Finanças.
8 - E se a instituição não for cotada?
Neste caso, "o valor de mercado das acções é determinado por dois peritos independentes a designar (...) através de uma apropriada metodologia de valorização".
9 - Que compromissos serão os bancos obrigados a fazer?
Para além, evidentemente, do cumprimento das condições financeiras impostas, o banco terá de se comprometer a contribuir para o financiamento da economia, "nomeadamente das famílias e das pequenas e médias empresas, sobretudo no âmbito dos sectores de bens e serviços transaccionáveis". A portaria não clarifica de que forma é que, em concreto, os bancos irão promover o cumprimento deste objectivo. Essa negociação é feita directamente depois com cada banco.
10 - Como será feita a saída do Estado dos bancos onde tenha tomado participações directas?
É impossível dizer à partida. A portaria apenas refere que, no momento da saída, o valor de venda pelo Estado das acções do banco auxiliado será determinado na altura pelas Finanças. Tal definição dependerá de factores como as "condições de mercado existentes no momento da venda", as orientações comunitárias ou "o prémio de risco aplicável".
11 - E como se dá o desinvestimento do Estado se o apoio tiver sido feito via cocos?
Os Cocos terão de ser pagos ao Estado no final do prazo do investimento público, em dinheiro ou, se tal não for possível, através da conversão da dívida em acções do banco.
12 - O que acontece se o banco falhar o pagamento dos juros dos cocos?
Caso o banco falhe o pagamento da remuneração acordada com o Estado, o investimento feito converte-se no volume de acções da instituição correspondente.
13 - E se no final do prazo da ajuda pública o banco não conseguir ressarcir o Estado?
Se, findo o prazo de cinco anos da ajuda estatal o banco não conseguir pagar, o Estado poderá converter as acções especiais em acções normais, passando a ter todos os poderes efectivos correspondentes à detenção de tal participação.
14 - Que penalizações vão sofrer os salários dos administradores dos bancos?
Um dos preços a pagar por recorrer aos 12 mil milhões de euros é o corte nos salários. Tal redução é independente da dimensão do apoio estatal e da forma como este se vai materializar. Assim, durante o período de intervenção do Estado, o salário dos órgãos sociais do banco auxiliado não pode exceder 50% da remuneração média auferida nos dois anos anteriores à ajuda estatal. Aplicado o corte, estes gestores não podem receber menos do que o que é pago na Caixa Geral de Depósitos.
15 - Os bancos contestam o facto de a portaria deixar muitos detalhes por definir. Que indefinições são essas?
São muitas. Para além de não ser clarificado como é que é suposto os bancos satisfazerem os objectivos de apoio à economia, são vários os pormenores que dependem de despacho posterior das Finanças. Assim acontece no caso da definição do desconto a aplicar em questões centrais como a entrada do Estado no capital e a determinação do preço a ter em conta aquando da saída do Estado do capital dos bancos.